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18 agosto 2025

‘Eu não quero passar vergonha’: Jota Júnior cita Galvão Bueno e diz por que decidiu se aposentar


 José Francischangelis Júnior, o Jota Júnior, decidiu parar. A decisão de encerrar a carreira de mais de cinco décadas narrando jogos na rádio e na televisão foi tomada há pelo menos um ano, mas só se tornou pública depois que o jornalista publicou um sensível e elegante texto em seu perfil no Facebook para avisar aos amigos que eles não o veriam mais na televisão.

“Primeiramente que os convites quase desaparecem por causa do etarismo e da filosofia correta de renovar o quadro de narradores, depois vem a autoavaliação e o reconhecer que a garganta não é mais a mesma, o fôlego, a rapidez no raciocínio, pique para as maratonas de viagens e tudo mais. E aí vem a conclusão de que chegou a hora”, postou Jota.

“Não tenho assistido, mas recebo comentários sobre as narrações de Galvão Bueno no streaming com críticas, sejam por antipatia de alguns ou mesmo por falhas cometidas na troca de nomes e etc”.

“A dinâmica numa transmissão é incrível. Exige muito da cabeça. Transmitir ao vivo não tem script. Puro e total improviso. Atenção extrema. Confesso que hoje não estaria apto a desenvolver um trabalho com a quase perfeição que se exige. Em resumo, passaria vergonha, comprometeria a jornada e burlaria a expectativa do telespectador”, finalizou o agora ex-narrador.


Aposentar-se das transmissões foi um processo natural para o profissional. Dispensado da Globo em março de 2023 no mês em que completou 24 anos de casa, ele foi entendendo meses após a saída da emissora que não conseguiria mais comandar as transmissões com o mesmo desejo, energia e vigor de outrora.

Diz que não faltaram convites para voltar a trabalhar, inclusive propostas de plataformas de streaming, o que nunca experimentou. Mas a saúde física e mental do ex-narrador de 76 anos não permitiu que ele continuasse em frente às câmeras.

Jota Júnior diz que transmissões são 'espetacularizadas' e têm entretenimento exagerado

Ex-locutor do SporTV tinha perfil discreto e narração cadenciada. Crédito: Jota Júnior

“Já vinha amadurecendo essa decisão. O corpo e a mente vão cobrando, eles vão mandando um boleto para gente”, explica o ex-locutor em entrevista ao Estadão.

Foram 54 anos em frente às câmeras, abrindo e fechando microfone, em cabines de transmissão de centenas de estádios ou nos estúdios das emissoras. Antes mesmo de sair da Globo, com a qual fez um acordo e encerrou o processo trabalhista que movia contra a emissora, Jota Júnior percebeu que o entusiasmo e o envolvimento com a profissão não eram mais os mesmos.

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“Nos últimos dois anos empregado, eu já não tinha mais a mesma emoção ao receber uma escala”, conta.

Jota Júnior encerrou com discrição e elegância carreira de 54 anos Foto: Reprodução/SporTV

Antes eu recebia uma escala na quinta para o jogo de domingo com emoção, com expectativas, já ficava ligado no que ia acontecer no domingo. Era uma coisa emocionante. Quando passou a não ser emocionante, comecei a olhar a escala como se tivesse recebido um e-mail qualquer. Eu falei: ‘Alguma coisa não está legal, alguma coisa está errada‘

Jota Júnior sobre decisão de se aposentar

Como a televisão exige muito e permite poucos erros, ele não se sente mais totalmente capaz, aos 76 anos, de entregar ao público o mesmo desempenho de antes. Também contribuiu a distância dos estádios. Nos últimos anos de SporTV Jota Júnior fazia a maioria das partidas no estúdio da emissora.

Nas últimas transmissões eu já não estava mais vivo na televisão. Procurava fazer o melhor, é evidente, mas não era mais o mesmo. Fui até muito egoísta nesse caso, porque eu dizia para mim mesmo e falava para minha mulher: ‘Eu não quero passar vergonha’, sabe? A gente tem essa coisa do ego, de preservar a imagem.

Jota Júnior sobre decisão de se aposentar

Entretenimento exagerado

A plácida e serena narração de Jota Júnior contrasta com a maioria das locuções na era dos streamings. Ele crê haver hoje muita gritaria e um entretenimento exagerado por parte de quem comanda as transmissões.

“Hoje, os lance são espetacularizados. Há gritos em demasia. O telespectador está vendo o lance, ele vê que não foi nada daquilo que, de repente, o comunicador está passando”, observa. “Não é emoção natural de quem está vendo aquele lance, está exacerbado”.

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O estilo de narração com exageros é resultado da necessidade de transformar as transmissões em puro entretenimento em detrimento do jornalismo, ele acredita.

“O entretenimento entrou no cardápio de transmissões de futebol”, constata. “Muitas vezes, o entretenimento não é bem compreendido para esse trabalho nosso por alguns colegas, que compreendem como uma diversão mesmo. Quer dizer, pouco importa o jornalismo”, reflete.

Tem que ser leve, tem que deixar o telespectador à vontade, perfeito. A gente sempre que podia fazia isso, mas eu acho que aí é que a dosimetria não foi legal. Porque o entretenimento foi confundido com uma euforia que não bate com a imagem. O que é mais importante numa transmissão de futebol? A imagem.

Jota Júnior a sobre o entretenimento nas narrações

Câmera na cabine é um ‘veneninho’ para narrador

Jota Júnior compreende que as gerações mais novas podem não gostar do estilo de narração que ele tinha, cadenciado e discreto, características que não predominam mais nos locutores. É comum, hoje, ver comunicadores com reações intensas, vibrando e envolvidos emocionalmente com os times e eventos que narram.

“A presença das câmeras em cima do comentarista e do narrador influenciou muito. Nessa de precisar dar muita emoção numa transmissão, foi um ‘veneninho’ que foi colocado ali para o comunicador se descabelar na hora de um gol, se esgoelar do jeito dele, para ele bater na mesa”, analisa.


“E também para ganhar adeptos. Às vezes o colega que está narrando acha que se descabelar, se chorar na hora de um gol do Flamengo, na hora de um gol do Corinthians, ele vai somar pontos com aquela torcida. E hoje está todo mundo buscando o quê? De maneira geral, cliques, curtidas. Então isso também influencia”.

O paulista de Americana entende que há espaço para narrações calmas e pausadas - como eram as dele - e para todas as outras porque, no geral, as emissoras só se importam com a audiência.

“As televisões, hoje, não estão nem aí se o cara faz uma transmissão do meu estilo, ou se é feita uma transmissão por alguém que se esgoela, exagera. Elas estão preocupadas com o índice de audiência, e quem dá audiência não é o locutor, não é o comunicador, nem o comentarista, quem dá audiência são os eventos”, opina. “Caberia sim um estilo como o meu, mas seria criticado”.

Você vê hoje, por exemplo, um volume alto de críticas para as televisões que têm mulheres narrando. Não sei são exageradas, mas o volume é grande, e as televisões com as suas diretrizes não estão nem aí para isso. Elas continuam mantendo os profissionais, porque eles têm outras preocupações.

Jota Júnior sobre a preocupação das emissoras com audiência

Jota Júnior nunca morou fora de Americana. Ia e voltava ao estúdio da Globo em São Paulo e aos estádios com frequência. Esse vai e vem nas rodovias terminou. Hoje, tem tempo para curtir os três filhos, os cinco netos e a mulher, Sueli. “Virei motorista dos netos”, brinca.


Além da Globo, ele trabalhou em rádios de Americana e Campinas antes de migrar para a capital paulista, onde fez sucesso na Rádio Gazeta. Depois, foi para a Rádio Bandeirantes, emissora em que marcou seu nome e na qual ganhou a primeira oportunidade de migrar para a TV. Na Band, narrou as Copas do Mundo de 1986, 1990, 1994 e 1998.

A última vez em que o telespectador assistiu ao locutor e ouviu a sua plácida voz em uma transmissão de futebol foi em Brasil de Pelotas 2 x 0 Ponte Preta, pela Copa do Brasil de 2023.

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